terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dos Ardores N(S)oturnos



"Fez um silêncio branco... E aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será marcado. Nunca será exposto.
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.

( Manuel de Barros, em "Zona Hermética", no livro Poesias)





Se te ausentas há paredes em mim.
Friez de ruas duras
E um desvanecimento trêmulo de avencas.
Então me amas? te pões a perguntar.
E eu repito que há paredes, friez.
Há molimentos, e nem por isso há chama.
DESEJO é um Todo lustroso de carícias
Uma boca sem forma, um Caracol de Fogo.
DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue
E outra com a ferocidade de Um só Amante.
DESEJO é Outro. Voragem que me habita.
(Hilda Hilst, poesia VIII, no livro "Do Desejo")


domingo, 26 de dezembro de 2010

O Recinto

Para Lygia Fagundes Telles

Ele passou esbaforido pela porta, rodou as chaves na fechadura e entrou com um sorriso cerrado nos lábios enquanto os movia levemente repetindo a mesma história até se convencer. Cruzou rapidamente os olhos pela sala, subiu as escadas, foi até o quarto dele e da mulher. Ninguém. Desceu novamente os degraus gritando quase sobriamente: - Edith, meu amor, onde você está? A mulher respondeu de um lugar mais profundo da casa, com uma voz lânguida e arrastada, como se não conseguisse falar: - Aqui, Daniel. Estou na cozinha, lavando a louça. Ele então entrou apressadamente no recinto, beijou-a nos cabelos, soltou a pasta na mesa, respirou fundo, liberou o sorriso e começou a contar que havia conseguido fechar o negócio com os indianos e que a empresa lucraria 20 bilhões de dólares em cinco meses, ultrapassando a meta prevista. Tentando fazer-se presente, ainda de costas e com o olhar fixo no sabão que escorria entre os dentes do garfo, ela esboçou, sem separar os lábios, dizer um: – Que-bom-amor-Parabéns.
Não sabe se ele chegou a ouvir, posto que continuou a agitar as mãos no ar e a explicar toda a transação no seu bom “economês”:

- $$=% (k*p)&(l-m). $$$++ ∞. ó $!= $∞

Depois de liberar todo o seu regozijo, lembrou-se da presença de Edith.

– Amor, você não está feliz? Não falou nada até agora.

- Já disse que acho ótimo, Daniel.

Ele, num ímpeto de raiva, resmungou:

- Você não dá importância a nada que faço. Eu aqui contando uma novidade que vai nos permitir, ao menos, umas boas férias na Europa e você assim, calada como uma pedra. Parece que está morta.

- Sua percepção não é tão ruim. Talvez eu esteja morta.

- Vá para o inferno, Edith.

- Não posso estar no mesmo lugar duas vezes.

- Essa sua tristeza não tem fim, Edith?

Ela virou-se, deixando que a água continuasse a escorrer entre os seus dedos. Com os olhos secos e sem brilho, fitou-o, pediu perdão e disse que estava muito alegre com os negócios que ele acabara de fazer. Mas que como estava acostumada ao silêncio e à solidão, precisava de um certo tempo para reaprender a falar.
Pensou que se talvez ele ficasse um pouco mais no trabalho...



sábado, 25 de dezembro de 2010

Natal de Peace (ou Pieces) and Lov



O que você pode ver?




O que você pode ouvir?



O que você pode sentir?



Até onde você pode ir?




Quem você pode ser?

.
..
...

Não deixe essa chama se apagar.
Acenda o seu.
P.U.L.S.E

Pink Floyd

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Do amor em tarde de Natal


Amor não se pratica, amor se (des)constrói.




"O maior castigo que eu te dou
É não te bater
Pois sei que gostas de apanhar [...]
Nem há maior prazer
Do que te ver me provocar
Não dar importância
A sua implicância
Muito pouco me custou".
(O maior castigo que eu te dou, de Noel Rosa).


"O céu azul sobre nós pode desabar
E a terra bem pode desmoronar
Pouco me importa, se tu me amas
Pouco se me dá o mundo inteiro  [...]
Se um dia a vida te arrancar de mim
Se tu morreres, se estiveres longe de mim
Pouco me importa, se tu me amas,
Porque eu morrerei também."
 (Hino ao Amor, Edith Piaf).

PS.: Fotografias do "Filme de Amor" (2003), de Júlio Bressane.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

SenTiDo(r)


"Que canto há de cantar o que perdura?
Hilda Hilst


Qual é o sentido do sentido? Existe sentido em um ponto final, na exclamação, na interrogação ou ainda nas reticências? Sabemos, às vezes, como usá-las, mas elas não são previsíveis. Só podemos usá-las a partir do momento em que sabemos qual é a oração. Oremos!...Sem pensar em sentidos, pois não tê-lo pode ser a prova concreta de que se existe um. Pode ser a certeza de que ele não existe. Ou ainda, a incerteza do que sentimos. Escolho a minha pontuação de acordo com o que desejo criar, embora sempre o amor tenha me pontuado sem se quer escolhê-lo. Parece-me, depois de apurado pelo tempo, que construir sentidos é dar sentido a desconstrução, embora, essas determinações signifiquem trilhar o mesmo caminho. Há saída? Ela é sempre uma solução. O que farei? Não farei; caminharei. Algumas pré-determinações teimam em existir, como meus pés que foram feitos virados para frente. E você, que fazes aqui? Procurando algo, a você mesmo, ou a alguém? Há desejo? Permita que seus olhos vejam, que seu coração sinta, sua cabeça pense, suas mãos toquem e que seu volume cresça. Ou não. Coloque seus pontos, também é necessário fazer escolhas, que nem sempre significam estar de acordo com a moral. Aliás, que é a moral senão a criação do seu oposto? Mas observe que as escolhas não são escolhidas. Sentimo-las. E quando há consciência de que se escolheu, logo vem o tédio e a necessidade de novas escolhas. Quando sabemos o ponto que utilizaremos, perde-se o sentido, embora, na maioria das vezes, mantenha-se a coerência e a coesão. O que é necessário para que haja compreensão? Onde você aprendeu a ler, se tampouco consegues me entender? Tudo que eu sinto agora não escolhi. Mas o que me acontece é que não consigo viver longe dos seus braços. Eles me pontuam hoje. Cerro meus olhos e navego nos teus. Sinto os nossos dedos como a escrever um texto em comum, sem pontos, sem sentidos, coerência tampouco coesão. Quiçá escrevamos todos os dias, quiçá criemos todos os dias, sem ter que dar sentido ao que não tem...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sobre o Blog

Como não queria mais nada sobre mim. Já há tanta coisa. Decidi me colocar nesse blog, sobre ele. Mas estou com medo. Nóia? Maybe. Sou tão temperamental que vocês, a cada post lido, podem pensar que existem vários autores. Juro que são apenas dois olhos que enxergam e duas mãos que escrevem. Mas quantos seres moram aqui...isso eu não posso dizer, simplesmente, porque não tenho a mínima idéia. Recebo tantas visitas. Vejo e sinto tantas coisas, nem sempre desejáveis. Nesse exato instante ouço gritos e gemidos de uma criança. Não me abandonem. Seja lá quem for. Entendam que esse blog é sobre mim. Não Não! Eu sou sobre o Blog. Eu estou sobre o blog, completamente nu. Aqui vou contar coisas que sei e que estou aprendendo. Música, política, cinema, culinária, literatura, lugares, bebidas, sentimentos, (des)amores, trabalho, viagens (físicas e transcendentais), amigos, festas, pesquisa etc. Não esperem nada preciso. Aliás, preciso que vocês não esperem. Não quero me sentir cobrado. Isso me faria ter vontade de desistir de mais uma coisa. Tenho tido vontade de desistir de muitas coisas. O blog vai se construir a cada mensagem. É sempre assim. Além disso, assim como Clarice (ela que me abriu meus olhos para isso), tem dias que eu não existo, não acordo, não vivo. Tem dias que eu vegeto. Mas o pior mesmo é não ter a consciência de quando se vegeta. Quando estou trabalhando de mais é isso que acontece. Em QuadradosLand existem muitos seres assim: vegetais de terno. Por isso, o blog também será sobre minha ausência. Às vezes porque preciso ficar só, às vezes porque estarei sem consciência que estou vegetando. Talvez vocês me ajudem. Hoje eu estou um pouco triste ou nem estou nada. Mas prometo que nem sempre vai ser assim. Tudo isso sou Eu: um pouco ficção, um tanto real. Meio verdade, meio necessidade ou “forçação de barra”. Só posso dizer que é um ardor sem fim. Como diria o Caio F. Abreu: - Que seja Doce! Que seja Doce! Que seja Doce!

PS.: Os pés da imagem que abre o blog são do André (Selton Mello), protagonista do filme Lavoura Arcaica, do Luiz Fernado Carvalho (uma adaptação do texto homônimo do paulista Raduan Nassar). Quando os pés dele ardiam...

domingo, 19 de dezembro de 2010

Finalmente

Há muito tempo atrás. (Nem parece que faz tanto tempo assim. Mas passou tão rápido. Não Não. Não tem tanto tempo. É que a juventude não se despede.) Há algum tempo... Atrás? De quem? O primeiro sinal de velhice é quando se começa a encrencar com as palavras e não se sai do lugar. Se... sai? Foda-se. Não não. Eu sou educadinho. Há certo tempo atrás. Finalmente: escrevi meu primeiro blog. Adocese.com.blogspot.com. Uma época amarga danada. Daquelas de quando a gente começa a virar adulto. Enfim. Não quero falar sobre isso. Meu apelido era Doce: sintomático. Hoje resolvi criar meu novo blog. Uma nova fase: Talvez. Tanta coisa mudou. Principalmente a quantidade de trabalho. O nome antigo, do blog, não estava mais disponível. Significa: aquele amargo passou. Nada pode ser mais amargo do que amar na juventude. Mas Nada ficou registrado. Resolvi recomeçar. O blog. Não sei.Qualquer coisa. Enfim. O que consegui foi ardorcese. Tem tanta coisa aí dentro que chega a me satisfazer. Tanta coisa dentro de mim. Talvez nada: para quem não faz esforço para entender. Ar. Vento. Yansã. Dor. Simulacro da beleza. Oxum. Doce. Cuidado. Meu pai Oxalá. Ardor. Movimento da vida. Laroiê Exú Mojuba.